Por Adriana Passari - @adrianapassari
Cheiro de café
Todos os dias ela acordava sentindo o cheirinho de café fresquinho, recém coado, antes mesmo do despertador tocar. Apurava os sentidos e aspirava longamente aquele perfume dos deuses e só depois abria os olhos para mais uma manhã de luta. Arrumava-se antes de deixar o quarto apressadamente e chegava à cozinha, que estava vazia, como sempre.
O aroma de café que invadia a janela do seu quarto vinha da casa vizinha. Engolia um pedaço de pão do dia anterior com um pouquinho de manteiga que descia empurrado por um golinho de café que havia sobrado no bule misturado com meio copo de leite. Não havia tempo para reclamações em sua vida, só agradecia. Tinha um pernada pela frente até o ponto de ônibus, se estivesse com sorte ela até conseguia um lugar para sentar.
O dia estava nublado e ela carregava na bolsa uma sombrinha, amarela. Sua cor favorita. Um dos luxos que permitia na sua vida. Comprou-a num impulso, num dia totalmente ensolarado, por puro prazer de comprar. E era sua companheira de enfrentamento dos dias chuvosos.
Sentia um orgulho e uma pontinha de alegria quando abria aquela sombrinha. Nem se importava com a água caindo de céu impiedosamente, porque ela tinha a sua sombrinha amarela. Chegou ao trabalho no horário de sempre, pontual. Pegou na faxina cedinho e foi até o fim do expediente com boa vontade. Tinha orgulho de fazer a limpeza com um capricho de encher os olhos de todos que circulavam pelo residencial.

Ao fim do serviço tirava as galochas calorentas, jogava uma água da torneira para refrescar os pés, calçava de volta suas havaianas um tanto desgastadas, mas que ainda durariam um bom tempo. Na volta para casa, uma paradinha no varejão, pegar umas batatas e pimentões para preparar a marmita do dia seguinte.
Cheirava o pimentão com gosto antes de colocar no saquinho. Colocava tudo na sacola reforçada que sempre trazia na bolsa. Cantarolando, voltava para casa. Não reclamava de nada, só agradecia.
Ouça a história na voz de Adriana Passari: