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Coluna: "Entre Aspas" com Ronaldo Castilho

Publicada em: 17/11/2025 10:10 -

O poder do algoritmo sobre a opinião pública

 

Ronaldo Castilho

 

Vivemos em uma era em que a opinião pública é moldada menos por debates em praças e mais por linhas de código. O algoritmo, essa entidade invisível, programada para nos mostrar o que “queremos ver”, tornou-se um novo mediador da realidade. Ele não apenas organiza o fluxo de informações nas redes sociais, mas influencia o modo como pensamos, sentimos e até mesmo votamos. A política, o consumo, a cultura e as relações humanas estão cada vez mais submetidos à lógica de uma matemática emocional: a busca incessante por engajamento.

Se antes a imprensa tradicional servia como filtro e curadoria do que era notícia, hoje os algoritmos desempenham esse papel com base em outro critério: o lucro e a atenção. Quanto mais tempo passamos rolando a tela, mais dados produzimos, e mais previsível se torna nosso comportamento. Nesse sentido, o filósofo Michel Foucault provavelmente veria nas redes sociais um novo tipo de panoptismo digital, em que somos vigiados constantemente, mas com prazer, trocando a vigilância pelo entretenimento.

Hannah Arendt, que tanto refletiu sobre a banalidade do mal e a manipulação de massas, talvez alertasse que o perigo contemporâneo está na dissolução da verdade factual. Nas redes, opiniões se tornam equivalentes a fatos, e a emoção supera a razão. Essa confusão favorece não apenas a desinformação, mas também a manipulação em larga escala. Em tempos de bolhas informacionais, cada um vive em um “mundo verdadeiro” diferente, cuidadosamente desenhado pelo algoritmo para confirmar nossas crenças e evitar o desconforto do contraditório.

O sociólogo Zygmunt Bauman já dizia que vivemos tempos de liquidez, e as redes sociais são o espelho perfeito dessa fluidez. As opiniões são descartáveis, os compromissos são instantâneos e as causas sociais se tornam “hashtags” passageiras. O engajamento, antes expressão de consciência coletiva, muitas vezes se reduz a gestos simbólicos que evaporam com a próxima tendência.

Mas a preocupação com a manipulação da opinião pública não é nova. Alexis de Tocqueville, ainda no século XIX, observou que as democracias correm o risco de sucumbir à “tirania da maioria”, em que o pensamento coletivo suprime a reflexão individual. Hoje, essa tirania ganha forma digital: o medo de discordar, de ser “cancelado”, ou de ter sua imagem arruinada por uma avalanche de comentários, faz com que muitos prefiram o silêncio. O debate público se transforma em um campo minado de reações instantâneas, onde a vaidade e a aprovação substituem a busca pela verdade.

Do ponto de vista filosófico, Platão talvez reconhecesse nas redes uma nova versão da Caverna: sombras projetadas na parede do feed que tomamos por realidade. Já Nietzsche poderia enxergar nesse cenário o triunfo do rebanho digital, em que o pensamento autônomo é dissolvido na massa de curtidas e compartilhamentos. E Kant, defensor da razão e da autonomia moral, veria na dependência dos algoritmos uma ameaça à nossa capacidade de pensar por conta própria — uma espécie de novo “menoridade” voluntária.

A força do algoritmo é tamanha que redefine até o conceito de poder. Byung-Chul Han, filósofo contemporâneo, observa que vivemos uma “sociedade do desempenho”, na qual somos explorados por meio da liberdade: produzimos dados, nos expomos e competimos por visibilidade. O controle, antes exercido pela repressão, agora se dá pela sedução. É o poder invisível que se disfarça de escolha pessoal.

O desafio, portanto, não é apenas técnico, mas ético e político. A questão central não está em “desligar o algoritmo”, mas em compreendê-lo, regulá-lo e, sobretudo, recuperar a autonomia crítica diante dele. Precisamos reaprender a desconfiar, a duvidar e a ouvir o outro sem a mediação da máquina.

Como lembrava Sócrates, “uma vida não examinada não vale a pena ser vivida”. Hoje, poderíamos dizer: uma opinião não examinada não vale a pena ser compartilhada.

A democracia digital ainda está sendo escrita, e cada curtida, comentário e compartilhamento é uma frase dessa história. O futuro da opinião pública dependerá menos da inteligência das máquinas e mais da sabedoria humana para não se deixar programar por elas.

Ronaldo Castilho é Jornalista e articulista, com pós-graduação em Jornalismo Digital. É licenciado em História e Geografia, bacharel em Teologia e Ciência Política, e possui MBA em Gestão Pública com ênfase em Cidades Inteligentes.

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