Em novembro, Florianópolis foi sede do 5º Simpósio Mundial de Adaptação às Mudanças Climáticas. No evento, um dos principais fóruns mundiais sobre o tema, Piracicaba se fez presente e foi condecorada com a premiação de melhor trabalho do evento em formato de pôster (Best Poster Award), por meio do trabalho elaborado e apresentado pela pesquisadora do Cena/Esalq Tainá Patriani, que trata da trajetória da Comclima e que destaca como a governança colaborativa e o conhecimento local podem acelerar políticas para a adaptação da cidade diante dos riscos de deslizamentos, enxurradas e inundações.
A premiação do trabalho “Collaborative Governance Based on Locally Grounded Knowledge Shaping Climate Policy in Piracicaba, Brazil”, produzido no âmbito da Comclima, reconhece a contribuição da Comissão ao fortalecer caminhos de governança colaborativa baseada em conhecimento local e em políticas climáticas participativas e guiadas por evidências.
Na pesquisa premiada, a Comissão de Piracicaba aparece como um caso em que a coprodução de conhecimento em uma instância de governança climática municipal, unindo servidores públicos, empresariado, ONGs, população e academia, se materializa em entregas prontamente utilizáveis pelo poder executivo. Em especial, o trabalho destaca a formulação da minuta da Política Municipal de Mudanças Climáticas (PMMC) pelo colegiado.
Sobre o contexto da cidade, Piracicaba possui atualmente 52 Zonas Especiais de Risco (ZER) de inundação, além de estar exposta a deslizamentos, enxurradas e secas devido às mudanças climáticas, com cerca de 3 mil pessoas vulnerabilizadas por conta das áreas em que vivem. O município também foi classificado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Governo Federal como 11º, em uma lista de prioridades, para adaptação climática do estado de São Paulo.
Ainda assim, mesmo com tantas necessidades apresentadas e de ser uma das poucas cidades de São Paulo que conta com uma Comissão Municipal de Mudanças Climáticas constituída, Piracicaba enfrenta a comum realidade política brasileira, que pouco prioriza a temática ambiental. Haja visto que, por meio da construção dialógica e participativa, a cidade conta com uma minuta de Política Municipal de Mudanças Climáticas (PMMC) entregue ao poder executivo há mais de três anos que até o momento não teve encaminhamentos para que se torne uma lei municipal e consequentemente possa impactar positivamente a população com o desdobramento de um plano de ação para a cidade. A minuta da política foi entregue ao ex-prefeito Luciano Almeida, em 2022, e ao atual prefeito Helio Zanatta, no começo desse ano.
O que a pesquisa conclui:
Por meio da construção de espaços deliberativos equitativos, de ciclos de eventos e da proposição de respostas sistêmicas, como a minuta da PMMC, o estudo mostra quais condições ajudam a atuação da Comissão a funcionar no dia a dia e como essas condições podem gerar entregas que o Executivo consegue absorver.
O estudo destaca que uma das principais características da Comclima é a continuidade das atividades desse fórum aberto, o que permite estabilizar regras, construir confiança entre setores e reaproveitar elementos locais já existentes para a geração de soluções.
Ao mesmo tempo, a pesquisa não romantiza o caso: aponta que desigualdades socioespaciais persistentes e a baixa participação de comunidades periféricas e racializadas revelam tensões entre “representação” e “voz”, indicando limites e tarefas pendentes para ampliar a justiça climática. Ao evidenciar também as lacunas de participação, a pesquisa ajuda a qualificar o próximo passo: ampliar a presença e a escuta de moradores das áreas mais vulneráveis, para que a política responda com mais precisão às realidades das ZER e de outros territórios expostos a cheias, enxurradas e deslizamentos.
Por fim, o trabalho reforça uma mensagem simples: adaptação não é só uma questão técnica, é uma capacidade institucional que se constrói com organização, diálogo contínuo e decisões formalizadas. A premiação recebida no Simpósio reconhece justamente isso, a contribuição de Piracicaba para mostrar que governança colaborativa, quando bem conduzida, pode acelerar políticas públicas e tornar a cidade mais preparada para os impactos das mudanças climáticas.
Comclima: uma trajetória guiada pela consolidação da agenda municipal de clima (2021 – 2025)
A Comclima representa um raro caso brasileiro de uma comissão de governança municipal dedicada a promover e acompanhar a implementação de um plano local de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, fortalecendo a justiça climática, articulando iniciativas e cooperação intersetorial e disseminando informações acessíveis para mobilização social.
Formada em 2021, a Comissão iniciou as suas atividades coordenando a elaboração da minuta da Política Municipal de Mudanças Climáticas com participação de oito secretarias municipais, setor privado e sociedade civil.
Em julho de 2022, a minuta foi formalmente entregue ao ex-prefeito Luciano Almeida, marcando o início de um ciclo em que a Comissão passava a atuar não apenas como fórum de debate, mas como instância de produção e encaminhamento de soluções institucionais. Após a entrega da minuta, a Comclima manteve a pressão por avanços e por informações objetivas sobre a prontidão institucional do município para lidar com riscos climáticos.
Em 2023, uma sequência de requerimentos oficiais expôs um problema central: a ausência de instrumentos e rotinas para transformar adaptação em política executável. Em 2024, a Comissão seguiu insistindo em bases de governança e informação: um novo requerimento mostrou que não havia registro específico das ocorrências organizado de acordo com a classificação nacional de desastres (Cobrade), um tipo de lacuna que dificulta a priorização, planejamento e prestação de contas.
Ainda em 2024, o então candidato e atual prefeito, Helio Zanatta, assinou uma carta compromisso pelo encaminhamento jurídico da política municipal de clima.
Entre janeiro e abril de 2025, a minuta da PMMC foi revisada ao longo de quatro encontros de um grupo de trabalho multissetorial, reunindo membros do poder público, setor privado, sociedade civil e academia. Em 2 de abril, a versão revisada foi aprovada por unanimidade em reunião ordinária do colegiado. E, em 23 de abril, foi entregue ao atual poder executivo municipal.